Defesa no Reflexo: Abordagens conceituais básicas

22-10-2010 09:48


Autor: Gerard Mauricio Martins Fonseca

O futebol nas suas mais variadas formas de execução, futsal, futebol de areia, futebol sete e futebol de campo, cada vez mais necessita de jogadores versáteis, que possam atuar nas mais diversas posições e situações de jogo. Neste universo, distingue-se o goleiro, pois é o único jogador com características próprias, cuja função difere dos demais integrantes da equipe.

Cada vez mais o goleiro se torna uma posição especializada dentro do contexto do jogo de futsal. A função básica deste jogador é defender o seu gol, utilizando-se para isto de todas as possibilidades técnicas, táticas, físicas e psíquicas, que sejam permitidas pela regra do jogo. Podemos considerar que uma das qualidades fundamentais para o desempenho adequado da função de goleiro dentro do jogo de futsal, é o tempo de reação. Todavia, freqüentemente ocorre uma “confusão” acerca da participação na ação do goleiro, de outro componente neuro-motor, que é o reflexo.

Esta situação, que foi e ainda é, criada e alimentada principalmente pelos meios de comunicação, ao salientarem as ações rápidas do goleiro frente ao chutes dos adversários, como sendo “defesa no reflexo”, está muito presente no nosso dia-a-dia.

Através deste trabalho procuraremos elucidar possíveis dúvidas sobre o assunto, buscando identificar os conceitos de tempo de reação e reflexo, para uma melhor compreensão dos gestos defensivos do goleiro de futsal.


REFLEXOS

Basicamente, a diferença existente entre reflexo e tempo de reação diz respeito ao ponto de integração destes movimentos no complexo sistema de controle motor do movimento humano. Enquanto o tempo de reação é uma ação consciente, surgindo com a percepção de um estímulo pelo SNC, a integração do movimento reflexo ocorre no nível da medula espinhal. MAGGIL (1984) em relação a estes movimentos classifica-os em movimentos reflexos e movimentos voluntários. Para ele os “movimentos reflexos envolvem tanto a transmissão sensorial da informação dos receptores apropriados, quanto a transmissão eferente da informação para a musculatura apropriada.

Mas a fase de integração deste sistema é muito diferente dos movimentos voluntários mais complexos”(p.142). O autor aponta as diferenças existentes entre os dois movimentos. Segundo ele a diferença está no local em que ocorre a integração, pois ”para movimentos reflexos simples, a integração da informação sensorial motora ocorre no nível da medula espinhal. A fibra nervosa aferente transmite o impulso a medula espinhal, onde a fibra forma sinapse com um neurônio motor alfa, que leva o impulso eferente ao músculo esquelético apropriado”.(p.142).

Nos movimentos voluntários, MAGILL salienta que a integração da informação sensorial ocorre no cérebro, “sendo os principais locais de integração o córtex, os gânglios cerebrospinais, o tálamo e o cerebelo”.(p.142). O ponto de integração do estímulo no movimento reflexo, também é abordado por WEINECK (1991), como sendo a diferença entre os dois tipos movimentos.

Afirma ele que “ enquanto os desempenhos motores mais complexos, ou mais ‘altos’, estão ligados às estruturas superiores do cérebro, as correções simples de atividade muscular podem ocorrer a nível de medula”.(p.53). A esta atividade desenvolvida no aspecto medular, ele chama de reflexo.

Com opinião semelhante, encontramos as idéias de BRANDÃO (1991) para quem as atividades esportivas, complexas pela sua natureza “ tem no córtex motor sua estação final, que conecta e dá continuidade ao processo iniciado em áreas sensoriais e de associação do córtex cerebral”. (p.27).

O autor considera que os reflexos “ se originam nos receptores sensoriais, que penetram na medula espinhal pelo seu corno dorsal.

Na mesma linha de afirmação, BARBANTI (1994) considera o reflexo uma reação inata e específica, salientando que ele não pode ser treinado. O autor afirma que reflexo é uma “ reação involuntária, súbita, muito simples, em que não existe qualquer elemento de escolha ou premeditação” (p.252).

Com a mesma linha de raciocínio SCHMIDT (1979) define como reflexo as reações estereotipadas que o corpo apresenta frente a determinados estímulo, considerando a sua involuntariedade.

A característica do reflexo de ser um movimento totalmente involuntário também é destacado por ESBÉRARD (1980), onde o autor afirma que “as respostas produzidas por estímulos específicos, que se realizam independe de qualquer controle e que tem características semelhantes em vários grupos animais e total identidade na mesma espécie, não importando a idade, é dado o nome de ato reflexo ou simplesmente reflexo”.(p.223).

O reflexo depende da via neural específica, e está relacionado com o ponto de inserção do estímulo da medula espinhal. As respostas reflexas não melhoram pela repetição. Esta situação deixa claro que o reflexo não pode ser treinado, o que impossibilita a sua aplicação situações técnicas do goleiro, como no caso das defesas dos arremates dos adversários.


TEMPO DE REAÇÃO

Como já vimos muitas são as qualidades, tanto físicas como técnicas e até mesmo psicológicas necessárias para um bom goleiro de futsal. Uma destas qualidades básicas, diz respeito a capacidade de reação, que deve ser a mais rápida possível, através da realização de movimentos técnicos de defesa, frente as ações ofensivas dos adversários, normalmente arremates ao gol em forma de chutes e cabeceios.

É primordial que o goleiro responda rapidamente e conscientemente a este estímulo, estando a sua produtividade diretamente relacionada com esta capacidade. Para obter este intento, um bom tempo de reação é necessário.

Por tempo de reação BARBANTI (1994) considera “ o tempo que ocorre entre a saída do sinal de estímulo e a execução da resposta apropriada ao estímulo”.(p.276) Com uma opinião semelhante, SANTOS (1993) diz que “ tempo de reação é o intervalo de tempo entre a apresentação do estímulo ou sinal até o início da resposta”.(p.27).

Entretanto, neste conceito, a autora define o final da reação como sendo o início da resposta. Ela chama de Tempo de Resposta o espaço entre o estímulo e a execução final do gesto motor.

Utilizando inicialmente o termo Velocidade de Reação, surge o conceito de VIANA (1995) para quem “ velocidade de reação é o tempo mínimo necessário para ser dar uma resposta motora a um estímulo sensitivo”.

A definição da terminologia para esta situação, não é questão fechada para o autor, já que ele mesmo diz que “ alguns autores denominam velocidade de reação, capacidade de reação ou tempo de reação”, entretanto isto não é o mais importante. SOARES (1989) também considera o tempo de reação como sendo o intervalo de tempo entre o estímulo e o início da resposta motora. O autor inclui também a execução do movimento, dentro do que ele chama de Tempo de Movimento.


A AÇÃO DEFENSIVA DO GOLEIRO DE FUTSAL

Ao analisarmos os conceitos apresentados de reflexo e tempo de reação, podemos afirmar que o ato reflexo não faz parte da ação defensiva do goleiro de futsal.

No futsal a defesa do goleiro parte da percepção de um estímulo apresentado pelo meio e captado pelo goleiro. Este estímulo é normalmente transformado na ação de chute ao gol por um jogador adversário.

Após perceber o estímulo o goleiro irá decidir qual a melhor ação a ser tomada, através do mecanismo decisório que tem como função selecionar e integrar os comandos motores que deverão realizar o movimento de defesa da bola. Num ato reflexo não há este caminho, pois ele ocorre em níveis inferiores do SNC.

Além disto, a reação do goleiro é um movimento voluntário, pois os mecanismos de processamento de informações da ação do goleiro estão interligados, através de um fluxo de informações, o que segundo FONSECA (1998) faz com que um determinado mecanismo fique dependente das informações fornecidas pelo seu antecessor, ou seja, a decisão irá depender obrigatoriamente da percepção.

Toda esta situação tem no córtex motor seu estágio de realização, o que demonstra como afirma BRANDÃO (1991) a necessidade de participação do córtex motor nas atividades motoras complexas, como é o caso das esportivas.

Acreditamos que usar o termo adequado ao real conceito do ato motor apresentado pelo goleiro é importante para uma melhor compreensão do próprio jogo. O uso de conceito inadequados muitas vezes resultam em problemas de compreensão de significado.

Com o presente trabalho esperamos ter colaborado para transferir informações que esclareçam cada vez mais a complexidade e importância do movimento humano, nas suas mais diversas formas de manifestação.

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